Roberto Piva
Rauda Graco e Roberto Piva logo após leitura em Santo André.
O texto abaixo foi publicado no blog do Jotabê Medeiros.
O Gavião Fala
Você pode frequentar dezenas de aulas de literatura numa universidade qualquer, mas duvido que alguma delas possa ter o impacto de uma lecture de Roberto Piva.
Aniversário da cidade, e ele foi convocado pela Casa das Rosas para uma aula na sexta-feira. Lorca, Heidegger, Wittgenstein, Nietzsche. Um poema de Piva deixou Cláudio Willer inflamado, ele quase subiu na mesa enquanto o lia.
Estava lotado. Tinha de tudo: de gente com questões interessantes a malucos narcisistas que só queriam aparecer.
“Incestuo-me pensando em você”, disse um rapaz bombadinho com cabelo repartido ao meio, que perguntou a Piva porque haviam tantos garotos em sua poesia. “Deve ser porque sou homossexual”, respondeu Piva, sempre com uma dose homeopática de ironia na voz.
Uma garota perguntou por que ele elogiava a cor verde em seus poemas. Sempre bem-humorado, ele brincou dizendo que era porque era “palmeirense”.
Piva disse que uma das tendências do mundo cotidiano, prático, é banir o mistério porque “o mistério desorganiza, bagunça a vida das pessoas”. Mas que é preciso estar atento ao mistério. Por isso a importância de Freud, de Jung em sua obra, da força do inconsciente. Ele lida com o xamanismo, com os orixás, com a presença “terrível” do anjo.
O poeta falou de sua amizade com o filósofo Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), revolucionário hoje quase esquecido, que os “marxistóides e esquerdistóides” da USP teriam barrado como professor. Vicente Ferreira da Silva escreveu aos 22 anos elogiado ensaio sobre Novalis (“O largo tempo debilita, o curto intensifica”), e foi controverso e “caçado” pelos intelectuais de seu tempo por ousar propor a valorização do sagrado e, dentro do sagrado, uma nova maneira de ver o mito.
Piva foi um dos seus discípulos e privou de sua companhia. Ele conta que um dia enxergou um brilho demoníaco nos olhos azuis de Vicente. Falou da morte “dionisíaca” do filósofo num acidente automobilístico. “Um caminhão de cervejas tombou em cima do carro dele”, explicou.
Perguntaram também a Piva sobre a crítica literária, e ele alfinetou o jornalismo cultural, que manda estagiários que nunca leram um livro à casa de artistas para fazer-lhes perguntas, e que muitas vezes isso é embaraçoso.
O poeta, autor de uma das maiores obras brasileiras do século 20, Paranóia (1962) vai lançar um livro de inéditos em março, junto com o último volume de suas obras completas.